
Após a leitura do texto, em que foi salientada a importância da preservação da orla como espaço PÚBLICO de cultura e lazer, os veredores João Dib (PP), Margarete Moraes (PT) e Haroldo de Souza (PMDB) tomaram a palavra para comentar o pronunciamento do grupo ambientalista. Dib lembrou que a área onde se pretende implementar o polêmico projeto Pontal do Estaleiro é privada.
A vereadora Moraes reafirmou a posição da bancada do PT, que desde o início das discussões está contra o projeto de alteração da Lei Orgânica do município que permitiria a construção de SEIS edifícios com DOZE andares quase na beira no Guaíba, no local conhecido como Ponta do Melo, Zona Sul da capital.
Já Haroldo de Souza, edil e locutor esportivo, demonstrou sua total concordância com a iniciativa: "Gostaria muito que o projeto Pontal fosse implantado". Este aí certamente deve ter recebido doações de campanha de empresários da construção civil, do setor imobiliário e demais pilantras que desejam apenas obter mais e mais lucro, às custas da depredação do ambiente natural e da privatização de espaços de interesse público em nossa cidade.
Abaixo, segue transcrição integral do texto lido hoje à tarde na tribuna da Câmara.
A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, AGAPAN, ocupa esta Tribuna Popular na Câmara de Vereadores de Porto Alegre em seu próprio nome e também por delegação do Fórum Municipal de Entidades. O que nos faz comparecer a esta Tribuna Popular é a nossa preocupação com a preservação da Orla do Guaíba como parte inalienável do patrimônio publico da coletividade porto-alegrense e gaúcha. Enfatizamos que a preservação da Orla do Guaíba é uma posição também defendida pelo IAB/RS - Instituto dos Arquitetos do Brasil e pela SENGE-RS- Sindicato dos Engenheiros no Rio Grande do Sul, entre outras entidades.
A Orla do Guaíba é uma das mais valiosas e mais importantes áreas em termos paisagísticos e da ecologia urbana do Município de Porto Alegre. Trata-se de uma área de valor incomensurável cuja progressiva privatização representa uma perda irreversível de potencialidades para a manutenção e a melhoria da qualidade de vida. Nos últimos anos Porto Alegre tem perdido pontuação na classificação mundial das cidades com a melhor qualidade de vida. A continuação das tendências atuais de ocupação crescente dos espaços públicos urbanos e paisagísticos atualmente nos coloca na contramão da história. Nós, ecologistas, não somos passadistas, mas olhamos para o futuro com os olhos no presente. E o que vemos no presente é paradoxal. Constatamos que, do ponto de vista ecológico, nosso aparente “atraso” hoje nos coloca mais perto dos ideais que os países ditos “desenvolvidos” estão buscando. Portanto devemos ser lúcidos e aproveitarmos o que ainda nos resta de natureza. Não temos a necessidade de imitar os países ditos desenvolvidos em tudo o que fazem e fizeram. Assim não precisaremos, no futuro próximo, criar uma praia artificial à margem do Guaíba, tal como ocorre hoje em Paris. A prefeitura da “Cidade Luz”, há cinco anos, no verão, coloca areia, vegetação, arbustos, piscinas e equipamentos de lazer, na margem do Rio Sena, para que sua população possa fazer de conta que está vivendo em contato com a natureza.
Outros exemplos deletérios de ocupação de orlas, mais próximos de nós, podem ser mencionados: Camboriú, Recife, Copacabana. Entretanto, atualmente ainda vemos entre nós os últimos remanescentes de uma concepção de desenvolvimento ultrapassada e insustentável que preconizam a intensificação da ocupação urbana na Orla do Guaíba ignorando completamente as numerosas lições que o mundo nos oferece como exemplos a não serem seguidos.
A escala de tempo da vida de uma cidade tem uma duração incomparavelmente maior do que a vida de indivíduos, de gerações e até de coletividades e países. Por esta razão as leis que disciplinam a utilização dos espaços de uma cidade devem prever os seus efeitos diretos e colaterais por décadas, séculos e até milênios. Os exemplos brasileiros, citados anteriormente, evidenciam a omissão e o imediatismo irresponsável dos legislativos municipais da época. Sobretudo evidenciam perversidade institucional e o fracasso em promover a proteção legal dos interesses da coletividade diante da avidez da especulação imobiliária sobre o patrimônio público. Portanto, quando o que está em pauta é a Lei Orgânica Municipal, a legislação maior do município, referente à Orla do Guaíba, chamamos a atenção para a imensa responsabilidade que recai sobre os ombros dos senhores vereadores de Porto Alegre.
Sobretudo chamamos a atenção para o encaminhamento do legislativo municipal em relação à Ponta do Melo. O projeto do Pontal do Estaleiro, previsto para aquela área, abre um precedente legal que ameaça o que ainda resta da Orla do Guaíba como patrimônio público. Trata-se da constatação de que a orientação que preside esse projeto e vincula-se a outras iniciativas que estão em andamento, representa o total descumprimento da Lei Orgânica do Município, bem como do Estatuto da Cidade. O que estamos vendo é a tentativa de adaptar a lei aos interesses privados, quando esses é que devem se adaptar à legislação. O que estamos vendo é o nosso Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre sendo constantemente retalhado, adulterado e descaracterizado através das mudanças aprovadas pelo legislativo municipal; estamos presenciando um retrocesso institucional e legal diante da perda das funções normativas do PDDUA em detrimento do interesse público para beneficiar os interesses privados da especulação imobiliária e da construção civil.
Lembramos que há vinte anos, depois de uma das maiores mobilizações populares da história de Porto Alegre, esta Câmara de Vereadores aprovou a desafetação de parte da Orla do Guaíba, condição que possibilitaria a sua privatização. Esta privatização só não aconteceu graças ao processo democrático de participação popular na Constituinte Municipal de 1990, que discutiu e elaborou as novas diretrizes legais que estão contidas na Lei Orgânica Municipal de Porto Alegre. Portanto a Orla do Guaíba ainda é um patrimônio público da nossa cidade devido à incansável vigilância da sociedade civil organizada.
Diante destes fatos, perguntamos: qual é o compromisso que a Câmara Vereadores tem com Porto Alegre e com a qualidade de vida da presente e das futuras gerações?
Foto: Camila Domingues/CMPA
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